quarta-feira, 23 de março de 2011

Declaração fundadora do Comité Grego contra a Dívida (CGD)

A questão da dívida pública joga um papel central na ofensiva histórica em curso do capital contra o trabalho, os assalariados, as mulheres, os jovens e contra a sociedade em geral. Efectivamente, é em nome da dívida e do seu pagamento que são “justificados” todos os cortes de salários, de pensões e de subsídios de desemprego. Da mesma forma, é em seu nome que é implementado o desmantelamento da segurança social, o afundamento e a privatização metodicamente programada dos serviços públicos, a explosão dos preços de produtos de consumo de primeira necessidade resultante dos aumentos sucessivos da TVA, os despedimentos em massa, a recusa em assumir realmente o problema climático e ambiental, a extrema flexibilização das condições dos trabalhadores, a desregulamentação do mercado de trabalho que está se transformando em verdadeira selva, a derrogação dos direitos do trabalho, a recusa de direitos e liberdades democráticos mais elementares, indo até colocar em causa a própria democracia parlamentar.

Os responsáveis da crise exercem uma chantagem inusitada sobre as incontáveis vítimas desta crise que são obrigadas a pagar um pesado custo. Esta chantagem visa culpabilizar os povos para que estes aceitem pagar por um crime pelo qual eles não têm nenhuma responsabilidade e que, mais ainda, foi perpetrado exclusivamente contra eles !

Os verdadeiros responsáveis pela explosão da dívida pública são as políticas neoliberais dos governos de direita e de esquerda das última décadas, os quais favoreceram e legalizaram a fraude fiscal dos privilegiados. As receitas do Estado diminuem enormemente devido a estas políticas, os deficits se aprofundam e nutrem uma dívida pública em constante progressão. Esta progressão tomou dimensões assustadoras com a explosão da última crise do capitalismo, a qual é, aliás, o produto directo desta mesma política neoliberal.

No entanto, o grande capital e as classes afortunadas beneficiam duplamente com as políticas governamentais em detrimento do resto da sociedade. Por um lado, a dívida pública que eles próprios provocaram, é, na prática, uma fonte suplementar de enriquecimento fácil: a política fiscal dos governos neoliberais lhes permite investir os seus superlucros no mercado dos famosos “bons d’État” (títulos de dívida pública) e se enriquecerem com taxas de juro escandalosamente elevadas, graças às quais o Estado espera cobrir a sua dívida.

Eis aí, portanto, porque a dívida pública e seu pagamento constituem um mecanismo de transferência de rendimentos “daqueles que estão em baixo” para “aqueles que estão em cima”, ou seja, é um instrumento fundamental da redistribuição drástica de riquezas em favor dos ricos que tornam-se ainda mais ricos, em detrimento dos assalariados e das classes populares.

Este roubo do século deve terminar e nessa perspectiva devemos lutar para construir todos juntos, em unidade e sem exclusivos, uma relação de forças que possa impor à classe dominante e aos seus aliados internacionais o fim destas políticas bárbaras e desumanas.

A constituição do Comité Grego conta a Dívida é o primeiro passo nessa direcção. Se queremos atingir o nosso objectivo comum, outros passos devem ser dados, não somente no nosso país mas também em toda a Europa e no mundo, porque o nosso problema ultrapassa a escala nacional; e, estando confrontados a um inimigo internacional, tão unido e coordenado, só poderemos lhe fazer face se apresentarmos a frente mais ampla possível. O objectivo é, portanto, a constituição de um movimento internacional de massas tendo em vista a colocação em causa e a anulação da dívida, tanto no Sul como no Norte.

É por isto que a colaboração estreita do Comité Grego contra a Dívida com o CADTM (Comité pela anulação da Dívida do Terceiro Mundo) o qual luta há 20 anos para libertar as populações do fardo da dívida que as condena ao subdesenvolvimento e à miséria, marca a sua intenção de contribuir activamente à construção de um movimento radical contra a dívida nos Balcãs e em toda a Europa. Um movimento que lutará contra a dívida no Norte mas que colocará também em primeira linha das suas prioridades a solidariedade activa para com os povos do Terceiro Mundo que estão em luta há décadas contra a dívida no Sul.

A primeira tarefa do Comité será a de combater a propaganda quotidiana que apresenta a dívida como um “fenómeno natural”, uma espécie de tabu que não poderia ser contestado. Pelo contrário, nós pensamos que contestar a dívida constitui o primeiro passo para a libertação da sociedade. Os cidadãos têm o direito, mas também o dever, de desmistificar esta dívida, de passá-la pelo scanner para saber exactamente donde ela provém, aquilo que ela financiou, quem a contraíu e quem dela beneficia. Ou seja, trata-se de determinar os responsáveis do endividamento e forçá-los a assumir os custos.

A realização de tal auditoria pelos cidadãos mobilizados deve contribuir para a mobilização popular afim de obter a anulação de uma dívida amplamente ilegítima, odiosa e escandalosa.

Em colaboração estreita com o CADTM, o Comité Grego contra a Dívida pretende contribuir activamente, em conjunto com outros movimentos sociais, para a criação de um movimento de massa no interior e no exterior do nosso país, movimento este que terá como palavra de ordem: “Nós não pagaremos a vossa crise”. Ele lutará com todas as suas forças contra a dívida e as causas da crise actual.


10 de Julho de 2010


sábado, 5 de março de 2011

Repudia a dívida! Exige um referendo!

3 de Fevereiro de 2011

Repudiar a enorme dívida ilegítima que foi imposta ao povo e às futuras gerações é o ponto de partida para construir uma economia sustentável e que possa concorrer para a satisfação das necessidades de todas as pessoas.

Esta dívida, primeiro contraída por investidores, especuladores e instituições financeiras, só depois foi imoralmente socializada pelo Governo. E isto levou a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, com o apoio dos partidos do sistema, a empilhar às costas do povo uma dívida ainda maior e mais lesiva dos seus interesses.

Esta dívida é repugnante. Não foi contraída para despesas sociais como saúde, educação, habitação, nem em nada que realmente tivesse valor para a economia ou para o país. Esta dívida foi contraída pelos acólitos do Governo para lucrar com a bolha especulativa, o que teve pouco ou nenhum benefício para os trabalhadores.

Esta dívida é ilegítima. Isto não é dívida soberana: isto é dívida de instituições financeiras e privados que foi socializada pelo Estado. Estamos a ser forçados a pagar uma dívida de empresas e agiotas que suportaram o Governo contra as necessidades do povo.

Esta dívida é perpétua. É tão grande que nunca conseguirá ser paga. Somem o custo das recapitalizações bancárias e as perdas futuras, o custo crescente do NAMA para o Estado, as garantias dadas à banca, o custo acrescido das obrigações vincendas, o custo do empréstimo UE-FMI, e tudo isto somado são centenas de biliões em dívida que não pertence ao povo.

Esta dívida autoperpetua-se. O bail-out da UE e do FMI é um empréstimo para cobrir outras dívidas. Contudo, dado o prazo e a taxa de juro exorbitante, serão necessárias extensões para se poder amortizar a quantia. O Governo criou uma espiral de crédito que arruinará a economia, eliminará qualquer hipótese de crescimento e dará fortunas aos especuladores financeiros.

Não renunciamos esta dívida apenas por não a conseguirmos pagar. Várias pessoas e grupos têm vindo a pedir extensões ao prazo ou incumprimentos parciais por manifesta incapacidade de se pagar conforme o plano. Ainda que isso seja verdade, nós não achamos que se deva fazer default, porquanto esta dívida não é nossa. Fazer default é credenciar e reconhecer esta dívida como nossa. O que devemos fazer é repudiar esta dívida.

Queremos um referendo sobre toda a dívida privada que foi socializada para que as pessoas possam decidir. Isto é uma enorme transferência de riqueza dos pobres, desempregados, trabalhadores, pequenos empresários, independentes e agricultores familiares. Temos que decidir se queremos condições dignas de vida, ou se queremos continuar a pagar esta dívida insuportável e a consequente emigração massiva das futuras gerações que ela acarreta.

Exige um referendo para repudiar esta dívida!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Lucros dos três maiores bancos privados sobem 7,5 por cento em 2010

BCP apresentou ontem lucros de 301,6 milhões de euros

Os três maiores bancos privados portugueses lucraram em 2010 quase mil milhões de euros, ou seja, mais 75 milhões do que no ano passado.

O bom resultado surge num quadro de crise de liquidez e de necessidades de capitalizar as instituições que tem obrigado os bancos a rever as suas estratégias de remuneração accionista.

Ontem foi a vez do maior grupo privado português, o BCP, divulgar as contas anuais referentes ao ano transacto, em que registou lucros de 301,6 milhões de euros, mais 33,9 por cento do que no período anterior. Já o BES lucrou em 2010 510,5 milhões de euros, menos 2,2 por cento, tendo os resultados líquidos do BPI subido 5,6 por cento, para 184,8 milhões de euros. Os três grupos lucraram 996,9 milhões de euros, verba que em 2009 não ultrapassou os 922,3 milhões de euros.

Em vésperas da realização dos novos testes de stress europeus, e que se admite que venham a ocorrer até Maio, o Presidente da República, Cavaco Silva, decidiu ouvir os principais responsáveis do sector. Segunda-feira foi a vez do Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, se deslocar ao Palácio de Belém.

No dia seguinte Cavaco recebeu os presidentes da CGD, Faria de Oliveira, do BCP, Santos Ferreira, do BES, Ricardo Salgado, e do BPI, Fernando Ulrich. Ontem convocou os restantes, como Nuno Amado, presidente do Santander Totta.

Com a sua iniciativa, o PR quis inteirar-se das actuais condições de sustentabilidade do sector financeiro, mas também dar um sinal de que está atento à situação. A recomendação do BdP aos banqueiros para que adoptassem no curto prazo medidas de reforço dos capitais dos bancos, com ênfase para a retenção de lucros (não distribuição de dividendos), solução que permite elevar os capitais de modo automático, terá sido uma das questões abordadas.

Depois de o BPI ter anunciado que ia, pela primeira vez desde 1986, reter os lucros para incorporação de reservas e aumentar o capital em 90 milhões de euros, foi a vez do BCP seguir um caminho idêntico e anunciar que não vai distribuir dividendos, mas sim atribuir aos accionistas novas acções resultantes da incorporação de 120 milhões de euros de reservas em capital.

O BES optou por manter a estratégia de remuneração accionista e entregar 147 milhões de euros (uma queda de 10 por cento face a 2009) aos investidores (dividendo de 12,6 cêntimos),o que equivale a 28,8 por cento dos lucros totais (em 2009 foi de 31,3 por cento). Os bancos alegam que as propostas são um compromisso entre os interesses do accionista e a preservação do capital e da liquidez.

Mas com estas medidas os bancos respondem à sugestão de Carlos Costa para começarem a antecipar as recomendações de Basileia III de reforço dos rácios de capital, a começar a aplicar em 2013 até 2019. O BCP passa a dispor de um Tier I de 9,2 por cento, quando em 2009 era de 9,3 por cento, e de um rácio total de 10,3 por cento. Já o core tier I fica-se por 6,7 por cento. Por seu lado, no BES o Core Tier I é de 7,9 por cento, o Tier I de 8,8 por cento, e o indicador de solvabilidade passa a 11,3 por cento. No BPI o rácio Tier I subiu para 9,1 por cento, o Core Tier I alcança agora 8,7 por cento e o rácio total ficou em 11,1 por cento.

Para além da injecção de “cash” por parte dos accionistas, por recurso a retenção de lucros e transformação de reservas em capital, os bancos podem ainda realizar capital por via da venda de activos. Uma solução que ajuda ainda à desalavancagem das instituições.

E esta terá sido também uma das questões discutida entre o PR e os banqueiros dado que o sector está a reflectir a degradação do rating da República [a capacidade do Estado para pagar as suas dividas]. Os bancos são intermediários financeiros e tomadores de risco, que canalizam os recursos dos que não precisam de os usar (os depositantes) para os que necessitam (os credores).

Em condições normais, a obtenção de fundos é realizada sobretudo no mercado interbancário, onde os bancos emprestam uns aos outros sem entrega de colaterais. E este mercado está encerrado para os países periféricos como Portugal. As instituições podem ainda ir levantar fundos ao mercado de repo’s (contratos de recompra), que terá aberto em Janeiro. Santos Ferreira anunciou ontem que o BCP colocou 750 milhões de euros.

Trata-se de um mercado com um peso marginal, mas que abriu recentemente, estando a funcionar. Outra forma de gerar liquidez é a venda de activos.

De acordo com os dados revelados, até Abril a banca portuguesa tem de pagar dívidas na ordem dos 16 mil milhões de euros. Parte da verba já está assegurada. O BCP, por exemplo, já vendeu a operação da Turquia. E, depois de ter manifestado intenção de alienar parte da sua carteira global de créditos a empresas e projectos de cerca de 2,7 mil milhões de euros, para reduzir o endividamento, no final de Janeiro, o BES colocou à venda empréstimos a empresas da Península Ibérica totalizando 945 milhões de euros e, ainda, 418 milhões de euros concedidos a entidades norte-americanas. Entre os activos a alienar estão empréstimos contraídos no quadro da construção quer do novo Estádio de Wembley quer do aeroporto de Londres. O BES e BPI admitiram poder emitir dívida perpétua até ao final do ano.

Perante este cenário, é ao Banco Central Europeu (BCE) que as instituições portuguesas têm ido levantar fundos. Os últimos dados indicam que a exposição do sector ao BCE é de 38 mil milhões de euros (valor que foi de 50 mil milhões de euros). O BCP tem cerca de 14 mil milhões de euros de fundos levantados junto da entidade liderada por Jean-Claude Trichet (menos 1,4 mil milhões de euros desde o pico máximo de responsabilidades), e 20 mil milhões de euros de activos susceptíveis de serem descontados no BCE.

Já o BES revelou que entre Junho e final de Dezembro de 2010 reduziu a sua exposição ao BCE, de seis mil milhões de euros para 3,9 mil milhões de euros, enquanto o BPI diz que reduziu de 1,5 mil milhões de euros o financiamento líquido obtido junto do BCE, onde deve agora mil milhões de euros. A CGD, Santander Totta, Banif e Montepio Geral deterão as restantes responsabilidades.

No contexto da sua missão de assegurar, sempre que os canais bloqueiam, o financiamento das economias europeias, Trichet já veio manifestar que a dependência dos países periféricos da autoridade deve ser reduzida.

Face a esta situação “extraordinária”, os bancos estão a adoptar medidas do lado da actividade, o que passa pela captação de depósitos, mas também pela restrição na concessão de crédito, nomeadamente aos sectores mais dependentes de importações e às grandes empresas, privadas e públicas. O corte de custos é outra via para reduzir os constrangimentos em matéria de capital e liquidez.

Os bancos têm estado a reduzir o quadro de pessoal e de balcões. O BPI anunciou uma redução de 22 milhões de euros em custos com pessoal depois de terem sido dispensados 470 trabalhadores. No quadro da contenção de custos, o BES anunciou ainda que vai reduzir os prémios e as participações nos lucros que atribui, mas não quantificou em que valores.

O BCP manterá a sua decisão de não dar bónus e anunciou que vai mexer na remuneração extraordinária dos trabalhadores da instituição. O BPI continuará com a estratégia adoptada em 2007, quando aplicou cortes de 60 por cento na remuneração variável de todos os seus trabalhadores. Ainda assim, Ulrich vai distribuir, por conta do exercício de 2010, 21 milhões de euros de resultados aos colaboradores, incluindo a gestão.

Público 03/02/2011