BCP apresentou ontem lucros de 301,6 milhões de euros
Os três maiores bancos privados portugueses lucraram em 2010 quase mil milhões de euros, ou seja, mais 75 milhões do que no ano passado.
O bom resultado surge num quadro de crise de liquidez e de necessidades de capitalizar as instituições que tem obrigado os bancos a rever as suas estratégias de remuneração accionista.
Ontem foi a vez do maior grupo privado português, o BCP, divulgar as contas anuais referentes ao ano transacto, em que registou lucros de 301,6 milhões de euros, mais 33,9 por cento do que no período anterior. Já o BES lucrou em 2010 510,5 milhões de euros, menos 2,2 por cento, tendo os resultados líquidos do BPI subido 5,6 por cento, para 184,8 milhões de euros. Os três grupos lucraram 996,9 milhões de euros, verba que em 2009 não ultrapassou os 922,3 milhões de euros.
Em vésperas da realização dos novos testes de stress europeus, e que se admite que venham a ocorrer até Maio, o Presidente da República, Cavaco Silva, decidiu ouvir os principais responsáveis do sector. Segunda-feira foi a vez do Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, se deslocar ao Palácio de Belém.
No dia seguinte Cavaco recebeu os presidentes da CGD, Faria de Oliveira, do BCP, Santos Ferreira, do BES, Ricardo Salgado, e do BPI, Fernando Ulrich. Ontem convocou os restantes, como Nuno Amado, presidente do Santander Totta.
Com a sua iniciativa, o PR quis inteirar-se das actuais condições de sustentabilidade do sector financeiro, mas também dar um sinal de que está atento à situação. A recomendação do BdP aos banqueiros para que adoptassem no curto prazo medidas de reforço dos capitais dos bancos, com ênfase para a retenção de lucros (não distribuição de dividendos), solução que permite elevar os capitais de modo automático, terá sido uma das questões abordadas.
Depois de o BPI ter anunciado que ia, pela primeira vez desde 1986, reter os lucros para incorporação de reservas e aumentar o capital em 90 milhões de euros, foi a vez do BCP seguir um caminho idêntico e anunciar que não vai distribuir dividendos, mas sim atribuir aos accionistas novas acções resultantes da incorporação de 120 milhões de euros de reservas em capital.
O BES optou por manter a estratégia de remuneração accionista e entregar 147 milhões de euros (uma queda de 10 por cento face a 2009) aos investidores (dividendo de 12,6 cêntimos),o que equivale a 28,8 por cento dos lucros totais (em 2009 foi de 31,3 por cento). Os bancos alegam que as propostas são um compromisso entre os interesses do accionista e a preservação do capital e da liquidez.
Mas com estas medidas os bancos respondem à sugestão de Carlos Costa para começarem a antecipar as recomendações de Basileia III de reforço dos rácios de capital, a começar a aplicar em 2013 até 2019. O BCP passa a dispor de um Tier I de 9,2 por cento, quando em 2009 era de 9,3 por cento, e de um rácio total de 10,3 por cento. Já o core tier I fica-se por 6,7 por cento. Por seu lado, no BES o Core Tier I é de 7,9 por cento, o Tier I de 8,8 por cento, e o indicador de solvabilidade passa a 11,3 por cento. No BPI o rácio Tier I subiu para 9,1 por cento, o Core Tier I alcança agora 8,7 por cento e o rácio total ficou em 11,1 por cento.
Para além da injecção de “cash” por parte dos accionistas, por recurso a retenção de lucros e transformação de reservas em capital, os bancos podem ainda realizar capital por via da venda de activos. Uma solução que ajuda ainda à desalavancagem das instituições.
E esta terá sido também uma das questões discutida entre o PR e os banqueiros dado que o sector está a reflectir a degradação do rating da República [a capacidade do Estado para pagar as suas dividas]. Os bancos são intermediários financeiros e tomadores de risco, que canalizam os recursos dos que não precisam de os usar (os depositantes) para os que necessitam (os credores).
Em condições normais, a obtenção de fundos é realizada sobretudo no mercado interbancário, onde os bancos emprestam uns aos outros sem entrega de colaterais. E este mercado está encerrado para os países periféricos como Portugal. As instituições podem ainda ir levantar fundos ao mercado de repo’s (contratos de recompra), que terá aberto em Janeiro. Santos Ferreira anunciou ontem que o BCP colocou 750 milhões de euros.
Trata-se de um mercado com um peso marginal, mas que abriu recentemente, estando a funcionar. Outra forma de gerar liquidez é a venda de activos.
De acordo com os dados revelados, até Abril a banca portuguesa tem de pagar dívidas na ordem dos 16 mil milhões de euros. Parte da verba já está assegurada. O BCP, por exemplo, já vendeu a operação da Turquia. E, depois de ter manifestado intenção de alienar parte da sua carteira global de créditos a empresas e projectos de cerca de 2,7 mil milhões de euros, para reduzir o endividamento, no final de Janeiro, o BES colocou à venda empréstimos a empresas da Península Ibérica totalizando 945 milhões de euros e, ainda, 418 milhões de euros concedidos a entidades norte-americanas. Entre os activos a alienar estão empréstimos contraídos no quadro da construção quer do novo Estádio de Wembley quer do aeroporto de Londres. O BES e BPI admitiram poder emitir dívida perpétua até ao final do ano.
Perante este cenário, é ao Banco Central Europeu (BCE) que as instituições portuguesas têm ido levantar fundos. Os últimos dados indicam que a exposição do sector ao BCE é de 38 mil milhões de euros (valor que foi de 50 mil milhões de euros). O BCP tem cerca de 14 mil milhões de euros de fundos levantados junto da entidade liderada por Jean-Claude Trichet (menos 1,4 mil milhões de euros desde o pico máximo de responsabilidades), e 20 mil milhões de euros de activos susceptíveis de serem descontados no BCE.
Já o BES revelou que entre Junho e final de Dezembro de 2010 reduziu a sua exposição ao BCE, de seis mil milhões de euros para 3,9 mil milhões de euros, enquanto o BPI diz que reduziu de 1,5 mil milhões de euros o financiamento líquido obtido junto do BCE, onde deve agora mil milhões de euros. A CGD, Santander Totta, Banif e Montepio Geral deterão as restantes responsabilidades.
No contexto da sua missão de assegurar, sempre que os canais bloqueiam, o financiamento das economias europeias, Trichet já veio manifestar que a dependência dos países periféricos da autoridade deve ser reduzida.
Face a esta situação “extraordinária”, os bancos estão a adoptar medidas do lado da actividade, o que passa pela captação de depósitos, mas também pela restrição na concessão de crédito, nomeadamente aos sectores mais dependentes de importações e às grandes empresas, privadas e públicas. O corte de custos é outra via para reduzir os constrangimentos em matéria de capital e liquidez.
Os bancos têm estado a reduzir o quadro de pessoal e de balcões. O BPI anunciou uma redução de 22 milhões de euros em custos com pessoal depois de terem sido dispensados 470 trabalhadores. No quadro da contenção de custos, o BES anunciou ainda que vai reduzir os prémios e as participações nos lucros que atribui, mas não quantificou em que valores.
O BCP manterá a sua decisão de não dar bónus e anunciou que vai mexer na remuneração extraordinária dos trabalhadores da instituição. O BPI continuará com a estratégia adoptada em 2007, quando aplicou cortes de 60 por cento na remuneração variável de todos os seus trabalhadores. Ainda assim, Ulrich vai distribuir, por conta do exercício de 2010, 21 milhões de euros de resultados aos colaboradores, incluindo a gestão.
Público 03/02/2011