A questão da dívida pública joga um papel central na ofensiva histórica em curso do capital contra o trabalho, os assalariados, as mulheres, os jovens e contra a sociedade em geral. Efectivamente, é em nome da dívida e do seu pagamento que são “justificados” todos os cortes de salários, de pensões e de subsídios de desemprego. Da mesma forma, é em seu nome que é implementado o desmantelamento da segurança social, o afundamento e a privatização metodicamente programada dos serviços públicos, a explosão dos preços de produtos de consumo de primeira necessidade resultante dos aumentos sucessivos da TVA, os despedimentos em massa, a recusa em assumir realmente o problema climático e ambiental, a extrema flexibilização das condições dos trabalhadores, a desregulamentação do mercado de trabalho que está se transformando em verdadeira selva, a derrogação dos direitos do trabalho, a recusa de direitos e liberdades democráticos mais elementares, indo até colocar em causa a própria democracia parlamentar.
Os responsáveis da crise exercem uma chantagem inusitada sobre as incontáveis vítimas desta crise que são obrigadas a pagar um pesado custo. Esta chantagem visa culpabilizar os povos para que estes aceitem pagar por um crime pelo qual eles não têm nenhuma responsabilidade e que, mais ainda, foi perpetrado exclusivamente contra eles !
Os verdadeiros responsáveis pela explosão da dívida pública são as políticas neoliberais dos governos de direita e de esquerda das última décadas, os quais favoreceram e legalizaram a fraude fiscal dos privilegiados. As receitas do Estado diminuem enormemente devido a estas políticas, os deficits se aprofundam e nutrem uma dívida pública em constante progressão. Esta progressão tomou dimensões assustadoras com a explosão da última crise do capitalismo, a qual é, aliás, o produto directo desta mesma política neoliberal.
No entanto, o grande capital e as classes afortunadas beneficiam duplamente com as políticas governamentais em detrimento do resto da sociedade. Por um lado, a dívida pública que eles próprios provocaram, é, na prática, uma fonte suplementar de enriquecimento fácil: a política fiscal dos governos neoliberais lhes permite investir os seus superlucros no mercado dos famosos “bons d’État” (títulos de dívida pública) e se enriquecerem com taxas de juro escandalosamente elevadas, graças às quais o Estado espera cobrir a sua dívida.
Eis aí, portanto, porque a dívida pública e seu pagamento constituem um mecanismo de transferência de rendimentos “daqueles que estão em baixo” para “aqueles que estão em cima”, ou seja, é um instrumento fundamental da redistribuição drástica de riquezas em favor dos ricos que tornam-se ainda mais ricos, em detrimento dos assalariados e das classes populares.
Este roubo do século deve terminar e nessa perspectiva devemos lutar para construir todos juntos, em unidade e sem exclusivos, uma relação de forças que possa impor à classe dominante e aos seus aliados internacionais o fim destas políticas bárbaras e desumanas.
A constituição do Comité Grego conta a Dívida é o primeiro passo nessa direcção. Se queremos atingir o nosso objectivo comum, outros passos devem ser dados, não somente no nosso país mas também em toda a Europa e no mundo, porque o nosso problema ultrapassa a escala nacional; e, estando confrontados a um inimigo internacional, tão unido e coordenado, só poderemos lhe fazer face se apresentarmos a frente mais ampla possível. O objectivo é, portanto, a constituição de um movimento internacional de massas tendo em vista a colocação em causa e a anulação da dívida, tanto no Sul como no Norte.
É por isto que a colaboração estreita do Comité Grego contra a Dívida com o CADTM (Comité pela anulação da Dívida do Terceiro Mundo) o qual luta há 20 anos para libertar as populações do fardo da dívida que as condena ao subdesenvolvimento e à miséria, marca a sua intenção de contribuir activamente à construção de um movimento radical contra a dívida nos Balcãs e em toda a Europa. Um movimento que lutará contra a dívida no Norte mas que colocará também em primeira linha das suas prioridades a solidariedade activa para com os povos do Terceiro Mundo que estão em luta há décadas contra a dívida no Sul.
A primeira tarefa do Comité será a de combater a propaganda quotidiana que apresenta a dívida como um “fenómeno natural”, uma espécie de tabu que não poderia ser contestado. Pelo contrário, nós pensamos que contestar a dívida constitui o primeiro passo para a libertação da sociedade. Os cidadãos têm o direito, mas também o dever, de desmistificar esta dívida, de passá-la pelo scanner para saber exactamente donde ela provém, aquilo que ela financiou, quem a contraíu e quem dela beneficia. Ou seja, trata-se de determinar os responsáveis do endividamento e forçá-los a assumir os custos.
A realização de tal auditoria pelos cidadãos mobilizados deve contribuir para a mobilização popular afim de obter a anulação de uma dívida amplamente ilegítima, odiosa e escandalosa.
Em colaboração estreita com o CADTM, o Comité Grego contra a Dívida pretende contribuir activamente, em conjunto com outros movimentos sociais, para a criação de um movimento de massa no interior e no exterior do nosso país, movimento este que terá como palavra de ordem: “Nós não pagaremos a vossa crise”. Ele lutará com todas as suas forças contra a dívida e as causas da crise actual.
10 de Julho de 2010